segunda-feira, 10 de agosto de 2015

COMO SALVAR VERDADEIRAMENTE A GRÉCIA (Saída do euro, uma oportunidade histórica)

Aparentemente, o projeto era simples. Após cinco meses, os credores de Atenas se incumbiriam de salvar a Grécia da bancarrota. Ao final das negociações, sua outra ambição foi desvelada: desacreditar um projeto político tido como “radical”.

No "Le Monde Diplomatique Brasil"
Por Costas Lapavitsas
Ilustração: Reuters/Yannis Behrakis

Desde 2010, a perspectiva de um calote grego e da saída da União Econômica e Monetária (UEM) paira no ar. Do ponto de vista da teoria econômica, o problema é cristalino: uma economia fraca, caracterizada por importantes falhas institucionais, se encontrou com uma união monetária estruturalmente disfuncional. Ela foi dotada de uma moeda não apenas forte, como também intrinsecamente problemática. Em tal contexto, existem apenas duas saídas: ou a UEM se reforma profundamente ou a Grécia deve encarar a moratória e uma saída.

O mau funcionamento do euro se explica antes de tudo pela política alemã visando comprimir salários, o que permite que Berlim aumente sua vantagem competitiva e se torne um dos mais importantes credores da Europa. Adotando essa política, a Alemanha amputou sua própria demanda para melhor captar as riquezas provenientes do estrangeiro; uma política pela qual a população paga, mas que alegra os grandes exportadores e os estabelecimentos bancários. 

Para os outros países-membros, a opção alemã teve o efeito contrário: aumento dos déficits e dos empréstimos. Aí se encontra o desequilíbrio fundamental da UEM, mascarado no início dos anos 2000 pela disponibilidade de dinheiro barato que facilitou o consumo e o investimento no setor da construção. Mas a crise mundial de 2007-2009 revelou esse hiato e provocou a derrapagem da zona do euro. Tendo registrado a maior degradação em termos de competitividade, a Grécia se revelou o país mais vulnerável da região. Rapidamente ela se encontrou confrontada a uma dívida astronômica de 300 bilhões de euros e a déficits escancarados em termos de orçamento e de conta-corrente: mais de 15% do PIB em cada vez. Uma moeda forte acabava de destruir uma economia fraca.

O destino da Grécia foi, no entanto, selado depois de 2010, quando a União Europeia escolheu a austeridade como a principal solução para suas dificuldades. A receita? Amputação dos salários, cortes orçamentários, aumento dos impostos, reformas favoráveis ao mercado e institucionalização do rigor por meio de tratados (principalmente o Six Pack e o Two Pack).[1]

De um ponto de vista estritamente alemão, a austeridade apresenta a vantagem de colocar o custo do ajuste sobre os países que possuem déficits, ao mesmo tempo que preserva os interesses dos grandes bancos e dos exportadores. Os dirigentes alemães atuais parecem estimar que a austeridade consolidará sua posição dominante no seio da União Europeia. Do ponto de vista da UEM, contudo, essa política diminui a demanda e reduz a economia, sem oferecer aos países deficitários a menor perspectiva de um retorno de suas contas ao campo positivo, e então de um reembolso de suas dívidas. Trata-se, em outros termos, do método mais eficaz para provocar um desmoronamento da UEM a médio prazo. Do ponto de vista grego, enfim, a austeridade se revela desastrosa, já que a diminuição da atividade e dos salários aprisiona o país em uma situação de crescimento fraco, desemprego maciço e dívida monumental. A política alemã conduz a UEM ao fracasso. Mas ela vai destruir a Grécia primeiro.

Uma forte determinação

Eleito em 25 de janeiro de 2015, o governo do Syriza calcula há muito tempo as implicações das políticas europeias. Durante os cinco meses que se seguiram à sua ascensão ao poder, ele tentou obter o fim das medidas de austeridade, uma diminuição da dívida, assim como um programa de investimento passível de dinamizar a economia. Seria difícil imaginar uma resposta mais cruel do que a dos credores em junho: a Grécia deve, segundo eles, liberar um excedente primário [2] de 1% do PIB em 2015, 2% em 2016, 3% em 2017 e 3,75% nos anos seguintes. Nem sequer a menor evocação de uma diminuição da dívida nem de um programa de investimentos sérios. Enfim, a austeridade mais severa, e por muito tempo.

Nesse contexto, o futuro da Grécia se anuncia sombrio. O crescimento médio dos cinco próximos anos pode atingir 2%, com grandes flutuações. O desemprego provavelmente vai continuar muito alto, sem que se possa imaginar uma mudança na evolução dos salários, cuja queda ultrapassou 30% para amplas camadas da sociedade. Uma população já velha, esmagada pela dívida, estaria então vendo sua juventude – principalmente a mais bem formada – tomar o rumo do exílio. A situação de fragilidade geopolítica na qual tal situação mergulharia o país pode ser facilmente imaginada: Atenas seria em breve relegada à insignificância histórica.

Se a União Europeia insistir em impor suas políticas, a sobrevivência do país estará vinculada a uma moratória e a uma saída da UEM, primeiros passos para a reativação do aparelho produtivo grego, a dinamização dos investimentos e a restauração do Estado de bem-estar social. A Grécia seria então liberada da armadilha do euro e poderia começar um processo de transformação social caracterizado pelo crescimento econômico e pela redistribuição de riquezas. Essa ambição, não é preciso dizer, se chocaria contra poderosos adversários, ao mesmo tempo no plano interno e no seio da Europa. Ela iria demandar não apenas uma forte determinação, como também o apoio da população.

A única força política capaz de colocar a Grécia nesse caminho tem o nome de Syriza. Há muito tempo, a posição oficial do partido é a de que é possível realizar mudanças radicais sem deixar a UEM. Mas a atitude inflexível dos credores conduziu o partido e seus eleitores a revisar sua análise. A ideia segundo a qual a chantagem dos credores deve nos levar a encarar o calote e a saída do euro ganha popularidade entre os trabalhadores, os pobres e as classes médias inferiores.

Pode-se esperar uma oposição considerável das camadas superiores da sociedade, que até agora foram amplamente poupadas pela crise. Estas veem suas posições defendidas à direita pelo partido Nova Democracia, a centro-esquerda pelo Partido Socialista Helênico (Pasok) – dois partidos que dividiram o poder entre si durante décadas – e ao centro pelo To Potami (“o rio”), que surgiu recentemente no tabuleiro de xadrez político, graças a generosos apoios financeiros. A elite não tem a menor visão de futuro para o país: ela se contenta em colocar em ação o plano dos credores. As divisões sociais inerentes ao euro ressurgiram de maneira aguda ao longo da crise, e essas tensões se revelarão decisivas neste período que se inicia.

Uma saída da UEM não seria nem um pouco parecida com um jantar de gala. Mas a história e a teoria monetária nos permitem rascunhar uma estratégia, que pode ser assim resumida.

Um custo elevado, mas temporário

Em um primeiro momento, Atenas suspende sua participação na UEM, sem voltar atrás em sua adesão à União Europeia. Os tratados preveem efetivamente a saída da União Europeia, mas o que se aplica ao todo (a União) aplica-se necessariamente à parte (a UEM).

A Grécia interrompe o reembolso de sua dívida pública no estrangeiro, quer dizer, principalmente para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e para o Banco Central Europeu (BCE). O país poderia escolher continuar honrando seus compromissos junto aos credores privados, de modo a facilitar seu retorno aos mercados. Atenas propõe uma conferência internacional a fim de obter uma reestruturação de suas dívidas, incluindo as ligadas ao FMI. O governo se incumbe de reembolsar o conjunto dos agentes domésticos.

O país retoma o controle de seu Banco Central, que deixa o Eurossistema, mas não o Sistema Europeu dos Bancos Centrais.[3] O sistema bancário é nacionalizado e novos estabelecimentos, sãos, surgem. O Estado organiza a reestruturação dos empréstimos realizados pelas empresas e por particulares em dificuldade (principalmente no mercado imobiliário), cujo valor não deixou de crescer ao longo da crise para ultrapassar 100 bilhões de euros. Ele inclusive coloca em ação um controle das trocas e das transações bancárias, como a União Europeia fez em Chipre, em 2013, mas sem ameaçar os depósitos, que são convertidos em novo dracma numa taxa de um para um, assim como os empréstimos sob a lei grega.

O novo dracma é desvalorizado, provavelmente muito, ao longo das primeiras semanas, antes de se estabilizar depois de alguns meses em torno de uma cota de 10% a 20% de seu valor inicial (sabendo que a conta-corrente já está praticamente equilibrada e que o Estado terá instaurado um controle dos câmbios). Os trabalhos empíricos mostram que o impacto será positivo na produção e no emprego, enquanto a inflação deverá conhecer apenas um modesto aumento.

A satisfação das necessidades dos grupos mais vulneráveis da sociedade em termos de produtos de base – principalmente o combustível, a alimentação e os medicamentos – passa ao nível de prioridade. Um mínimo de preparação seria suficiente para evitar o recurso aos carnês de racionamento.

Ninguém nega que uma derrota e uma saída do euro teriam um custo social elevado, em particular nos primeiros momentos. Mas se trataria de uma provação temporária; ela não justifica que o país inteiro aceite a austeridade exigida para se manter no seio da UEM.

O período de ajuste de alguns meses sem dúvida verá a economia entrar em recessão. O país poderá em seguida contar com uma retomada do crescimento, graças à liberação de uma demanda doméstica até então reprimida e à mobilização de recursos que a austeridade encerrou na naftalina: trabalhadores, fábricas e equipamentos. Sobre essa base, a Grécia seria capaz de reformar ao mesmo tempo sua economia e sua sociedade, principalmente operando uma transferência das atividades de serviço para a indústria e a agricultura. Ao restaurar a soberania monetária do país e sua capacidade de gerar seu próprio dinheiro, uma derrota seguida de uma saída da UEM autorizariam Atenas a realizar transformações profundas. O país reencontraria inclusive uma margem de manobra orçamentária que lhe permitiria relançar o investimento público e apoiar seu equivalente privado. 

Teríamos, é claro, de defender a nova taxa de câmbio, mas os recursos mobilizados não seriam em nada equivalentes aos requeridos pela camisa de força da UEM. Sem contar que os eventos monetários desse tipo geram normalmente novas oportunidades para a atividade econômica.

No momento atual, o custo da austeridade repousa em grande parte sobre os trabalhadores, os aposentados, os pobres e as classes médias inferiores. Um governo de esquerda tiraria proveito de uma saída para transferir esse fardo para os ombros dos que têm mais e para transformar as correlações de força no seio do país.

Não se deve duvidar que o episódio reduziria o poder de compra da população por meio de um aumento das importações. Mas ele reduziria igualmente o valor real dos créditos imobiliários e outros empréstimos. A retomada da atividade econômica após o choque inicial favoreceria os trabalhadores, protegendo o emprego e facilitando um aumento progressivo dos salários. A política do governo autorizaria o aumento da redistribuição da renda nacional de modo a melhorar a situação dos mais pobres. A ativação do mercado interno beneficiaria as pequenas e médias empresas.

Pequenos países, grandes responsabilidades

Entre os perdedores, encontraríamos os bancos e grandes empresários, que dirigiram o país por décadas antes de conduzi-lo à ruína. Ao seu lado, os credores europeus, a começar pelo BCE, cuja exposição ao dispositivo de ajuda de urgência (Emergency Liquidity Assistance) ultrapassa atualmente os 90 bilhões de euros.

A Grécia se encontra numa encruzilhada: sua economia desmoronou, sua sociedade sofre, suas instituições estão trôpegas e sua posição geopolítica há décadas não fica tão ruim. No coração de uma Europa em crise, ela se distingue pela amplitude da confusão de suas elites. As forças sociais agora a ponto de fazer o país retomar seu destino, tirando-o de seu torpor, se encontram embaixo da pirâmide social; elas apoiam o Syriza. Então é crucial que o partido aproveite essa oportunidade histórica.

A entrada na UEM se revelou um erro considerável para a Grécia, mas o país pode sempre seguir um caminho diferente. Fazendo isso, ele ajudaria a Europa a se livrar de um sistema monetário tóxico, que só sobrevive graças ao apoio dos setores políticos e econômicos dominantes. O continente sufoca e deve reencontrar sua lucidez. A Grécia frequentemente teve um papel histórico desproporcional em relação ao seu tamanho; parece que uma nova ocasião se apresenta.

*Costas Lapavitsas, economista, é deputado do Syriza.

[1] Ler Raoul Marc Jennar, “Deux traités pour un coup d’État européen” [Dois tratados para um golpe de Estado europeu], Le Monde diplomatique, jun. 2012. 

[2] Valor orçamentário antes do pagamento dos juros da dívida ou, para retomar a fórmula do economista Paul Krugman, “o conjunto de recursos que um país tem a possibilidade de transferir para seus credores” (New York Times International, 28 fev. e 1º mar. 2014). 

[3] O Eurossistema coordena a ação dos bancos centrais de dezenove países da zona do euro; o Sistema Europeu dos Bancos Centrais, a dos 28 membros da União Europeia.

Os 10% do PIB e o financiamento da educação pública nos estados

Quando um país destina determinado percentual de seu PIB à educação pública, não significa, necessariamente, que cada um de seus municípios, estados, departamentos ou regiões invistam o mesmo percentual de seus respectivos PIBs em educação. Essa situação se dá porque as necessidades educacionais podem variar de um local para outro, tanto por causa de atrasos escolares diferentes como pela existência de maiores ou menores contingentes populacionais na idade escolar.

No "Correio da Cidadania"
Por "Otaviano Helene"

Além disso, diferenças de renda também podem fazer com que alguns estados necessitem de percentuais de seus PIBs maiores ou menores do que a média nacional. O que se pretende aqui é alinhavar dados e fatos com o objetivo de sugerir algumas metodologias para estimar as necessidades de financiamento da educação pública em cada um dos vários estados brasileiros, tomando como referência os 10% do PIB nacional, como média. 

Duas estimativas diferentes

Uma metodologia possível para se estimar as necessidades de financiamento educacional nos diferentes estados seria supor que os investimentos por criança ou jovem fossem iguais em todo o país, sendo que este, como um todo, destinaria 10 % do PIB nacional à educação.

Com essa hipótese, como alguns estados brasileiros – exatamente os de menores rendas per capita – têm proporções de crianças e jovens em suas populações uma vez e meia maiores do que aquelas observadas nos estados de maiores rendas per capita (1), concluiríamos que aqueles estados precisariam investir perto de 30% de seus PIBs em educação pública, contra valores próximos a 7% nos estados com menores proporções de crianças e jovens (2).

Resultar uma média da ordem de 10%, quando se parte de valores próximos a 30% e próximos a 7%, pode parecer estranho à primeira vista, mas se deve ao fato de os estados com grandes proporções de jovens e crianças em suas populações serem estados relativamente pouco populosos, além de, usualmente, serem aqueles que apresentam rendas per capita bem inferiores à média nacional.

Essa maneira de estimar as necessidades de financiamento da educação em relação à economia de cada estado tem uma fragilidade, pois a produção econômica local define os preços de moradia, alimentação e outras necessidades básicas. Por exemplo, o preço de um mesmo imóvel, tanto para compra como para aluguel, varia por um fator dois ou mais entre as várias capitais do país.

Assim, um salário que pode garantir um padrão de vida razoável em uma região do país pode ser totalmente inaceitável em outra, na qual o custo de vida é bem mais elevado. Essas considerações remetem a uma segunda metodologia para estimar os investimentos educacionais: adotar, para todos os estados, os 10% do PIB local como parâmetro de investimento em educação, já que grande parte dos custos educacionais está relacionada aos salários a serem pagos aos educadores.

Cada uma das duas maneiras tem suas vantagens e suas desvantagens. A primeira metodologia, ou seja, investir o mesmo valor por estudante matriculado, em todos os estados, favoreceria a tão depauperada escolarização da população dos estados mais pobres. Por outro lado, nos estados e regiões com maiores rendas per capita, essa metodologia levaria a investimentos, por criança ou por jovem atendido pelo setor público, bastante mais baixos do que seriam possíveis, quando considerada a realidade econômica local, o que sacrificaria a remuneração de seus professores e demais trabalhadores do setor educacional.

A segunda metodologia – utilizar para o financiamento da educação 10% do PIB estadual –, por sua vez, obrigaria cada estado a “se virar” com o que tem. Isso faria com que, nos estados economicamente mais favorecidos e com menores contingentes de crianças e jovens em suas populações, os indicadores educacionais evoluíssem mais rapidamente. Mas, por outro lado, isso acirraria as diferenças regionais, piorando ainda mais uma das piores características nacionais: as desigualdades entre pessoas, regiões e estados.

Talvez um equilíbrio entre as duas metodologias possa ser razoável, levando a uma redução das diferenças nos atrasos educacionais dos vários estados dentro de um prazo aceitável, sem sacrificar por demais os direitos das crianças e jovens dos estados em melhor situação econômica. A figura ilustra, em tons de cinza, os percentuais dos PIBs de cada estado necessários para construir um sistema educacional adequado, usando uma média entre os resultados obtidos pelas duas metodologias apresentadas.

Necessidades de investimentos em educação pública como porcentagem do PIB estadual. 
O tom mais claro corresponde a percentual pouco superior a 20% do PIB do estado e
o tom mais escuro, a pouco mais do que 8% do PIB estadual.  (Não inclui o DF.)
Estimativas mais precisas

As estimativas feitas levaram em conta apenas os dados agregados de população e renda, não considerando vários aspectos locais, como necessidades imediatas de formação de educadores ou a necessidade de educação de um contingente relativamente grande de jovens e adultos, que tivessem sido excluídos prematuramente do sistema escolar.

Apenas exames mais detalhados de cada estado seriam capazes de estabelecer mais precisamente os recursos necessários, sempre em relação aos respectivos PIBs, para construir um sistema educacional adequado. Assim, estados em tons de cinza parecidos não necessariamente apresentam necessidades de financiamento diferentes ou pelo menos significativamente diferentes.

Conclusões

Se queremos um sistema educacional democrático e de qualidade, precisamos investir cerca de 10% do PIB no setor, como média nacional; e se queremos que em algumas poucas décadas as diferenças educacionais tenham desaparecido ou pelo menos tenham sido significativamente reduzidas, esse investimento médio deve seguir, aproximadamente, a sistemática indicada na figura, com investimentos próximos a 20% dos PIBs locais nos estados com maiores atrasos, menores rendas per capita e maiores proporções de crianças e jovens do que a média nacional, enquanto os estados com maiores rendas e menores contingentes de jovens conseguiriam enfrentar a questão com investimentos pouco abaixo dos 10% dos respectivos PIBs.

Evidentemente, os estados com maiores atrasos escolares, que são, repetindo, aqueles com menores rendas per capita, poderão depender de fluxos de recursos provenientes dos estados com menos problemas e maiores rendas. Afinal, mesmo em países, regiões ou estados com distribuições de renda não muito desiguais, o que, infelizmente, não é o caso brasileiro, manter um sistema educacional que exija 20% da produção econômica local poderia pressionar outras atividades essenciais.

Mas, como esses estados com maiores atrasos educacionais são exatamente aqueles com pequenas populações e baixos PIBs, um fluxo de recursos dos estados mais ricos para eles, intermediado pela União, não seria impeditivo do ponto de vista econômico.

Entretanto, ainda que esse fluxo de recursos seja extremamente pequeno (3), alimentará o discurso conservador, reacionário, preconceituoso e chauvinista, atualmente tão comum entre as elites econômicas dos estados mais favorecidos.

Os investimentos atuais estão bem aquém dos valores necessários, correspondendo, grosso modo, à metade ou menos daqueles 10% necessários na média nacional e, também, à metade ou menos do que o necessário em cada um dos estados, tanto naqueles com maiores rendas per capita como nos mais pobres.

Assim, temos um problema duplo: aumentar, em nível nacional, os investimentos em educação pública, pelo menos dobrando-os, e concentrá-los nos estados e regiões mais desfavorecidas. E se temos dupla tarefa, não devemos usar esse fato para esmorecer, mas, sim, para duplicar os esforços. 

Notas:

1) Por exemplo, segundo o censo de 2010, o Maranhão tinha quase 31% de sua população na faixa etária do nascimento até os 14 anos de idade, enquanto São Paulo ou o Rio Grande do Sul, entre outros, tinham cerca de 21% na mesma faixa etária.

2) Os grupos à direita no espectro político, ao tomarem conhecimento de fatos e argumentos como esses, dizem que aqueles estados mais pobres só atingirão níveis de produção econômica mais elevados “quando pararem de ter filhos”. Esse tipo de argumento, que apenas expressa um preconceito, está errado por muitas razões. Já faz meio século que a taxa de fecundidade tem caído em todo o país. Em meados do século 20, na região Norte o número de filhos por mulher era superior a 9 e na região Sudeste perto de 6, portanto, alta em todo o país. Em 2010, apenas a região Norte, com perto de 2,5 filhos por mulher, se destacava das demais regiões. Nas demais regiões do país, as taxas de natalidade são muito próximas umas das outras e próximas de dois filhos por mulher. Por sinal, 2,5 filhos por mulher era a taxa de fecundidade típica dos estados do Sudeste do país pouco antes de 1990.

Um fator que contribui para que alguns estados tenham grandes proporções de crianças e jovens em suas populações é a alta mortalidade nas idades mais avançadas, portanto, um problema de saúde pública a ser enfrentado. Aquele argumento da direita é falso, também, por trocar causa e efeito. Não é a baixa proporção de jovens e crianças que permite o aumento da produção econômica, mas, sim, o contrário: o aumento da produção econômica, com a redução da mortalidade adulta, com o maior acesso aos serviços de saúde e à seguridade social (aposentadoria, programas de renda mínima, inclusive na velhice e para pessoas com deficiência, seguro desemprego etc.) com as mudanças de hábitos é que levam à redução da proporção de jovens e crianças na população.

3) Como exemplo, 10% do PIB dos quatro estados com maiores demandas educacionais correspondem a cerca de 0,8% do PIB dos quatro estados com maiores rendas totais.

Otaviano Helene é professor no Instituto de Física da USP, ex-presidente da Adusp e do Inep, autor do livro “Um diagnóstico da Educação Brasileira e de seu financiamento”. Blog: www.blogolitica.blogspot.com

A Lava Jato e o Partido dos Trabalhadores

Roubo e as relações ilegítimas entre agentes privados e públicos não são novidade, mas a entrada do PT como sócio sim. O partido candidatou-se ao suicídio.

Em "Carta Maior"
Por "Wanderley Guilherme dos Santos"


A novidade política da Operação Lava Jato é a revelação de que o Partido dos Trabalhadores cedeu à tentação de patrocinar e se beneficiar das relações espúrias entre interesses de grupos privados e iniciativas públicas. Faz parte da história intestina de todas as sociedades acumulativas o vírus da predação, do suborno, do saque, da extorsão e da violência em busca de vantagens além dos méritos competitivos. 

O Império inglês foi assim construído, incluindo associações clandestinas com piratas e corsários, no século XVIII, e escândalos internos sem fim desde o XIX; a riqueza das cidades hanseáticas e italianas que financiaram os jardins artísticos do Renascimento, seus pintores, arquitetos e escultores, essa riqueza foi obtida mediante fraude e corrupção de bandidos inescrupulosos e violentos, organizados em poderosas companhias de negócios. A grande arte flamenga e espanhola é rebento da generosa dissipação de recursos de ladrões e assassinos em versão marqueteira de mecenas. O extraordinário progresso material norte-americano a partir de meados do XIX colocou na galeria cívica do país os “robber barons”, sabidos e consabidos corruptos, genocidas, paradigmas das administrações libertinas e extorsivas das grandes cidades contemporâneas como Chicago, Nova York, Los Angeles ou Kansas City, sempre com a cobertura midiática de campanhas moralizadoras. 

As fraudes eleitorais são discutidas tão abertamente quanto o financiamento de campanha e não é segredo que a vitória democrata de John Kennedy contra Richard Nixon nada teve de católica (acobertada pela patranha midiática de que Nixon perdeu por causa do último debate na televisão), com os Republicanos dando troco na roubalheira da Flórida que deu a vitória a Bush Junior sobre Al Gore. Tudo supervisionado pelas autoridades eleitorais. Ninguém chia, trata-se de assunto exclusivo entre eles: dos roubos econômicos aos roubos eleitorais. O vírus está lá, agora protegido nos portfólios do sistema financeiro mundial. 

A história recente do Brasil não fica a dever. A começar pelas obras marcantes da ditadura, de onde brotaram progresso material, liquidação física dos opositores e mágicos milionários, de sucesso inexplicável. Da tolerância democrática de José Sarney restou a criminosa entrega da propriedade pública das comunicações a um prático monopólio de golpistas centenários, corruptor de jornalistas, escritores, artistas, políticos. O monopólio das comunicações é atualmente o único poder irresponsável no País, exercido com brutalidade e a ele se curvam os demais, inclusive o poder judiciário. Fonte de corrupção permanente, manteve como assunto inter pares os escândalos financeiros do governo Fenando Henrique Cardoso, as trapaças das privatizações e a meteórica transformação de bancários em banqueiros, tendo o BNDES como rampa de lançamento. Assim como guarda no porão do noticiário a ser mobilizado, caso necessário, os rastilhos da política tucana em Minas Gerais e em São Paulo. Todos, juízes, ministros, políticos, procuradores, cantores, atrizes, narradores de futebol, são todos terceirizados do Sistema Globo de Comunicação. 

Nesse País, por surpreendentes acasos, todas as investigações envolvendo os companheiros da boa mesa, pecaram por vícios de origem e devidamente esquecidas. Menos a Lava Jato, que segue aparentemente de acordo com as rigorosas regras judiciais, de que dá testemunho o Ministro Teori Zavaski. Qual é a novidade? 

A novidade não é o roubo nem as relações ilegítimas entre agentes privados e públicos. Todos os consultores, projetistas, jornalistas, escritórios de advocacia econômica, todos que fingem ultraje ao pudor sempre foram não só cientes como, no todo ou em parte, beneficiados pelo sistema virótico da sociedade acumulativa brasileira. Enriqueceram e vivem como parasitas do sistema nacional de corrupção. A novidade é que o Partido dos Trabalhadores entrou como sócio, apresentando como cacife os milhões de votos daqueles que nunca foram objeto de atenção. Candidatou-se ao suicídio. 

A caça ao intruso foi imediata. A cada política em benefício dos miseráveis, mais se acentuava a perseguição ao novo jogador, insistindo em reclamar parte do botim tradicional da economia brasileira. A penetração do PT na associação das elites predadoras era encoberta pelo compromisso real de muitos de seus quadros com o destino dos carentes. E assim como os grandes capitães de indústria, pelo mundo a fora, os nossos também cobraram uma exploração extra, uma vantagem desmerecida, uma nova conta na Suiça em troca dos empregos criados, da produção aumentada, do salário menos vil. Mas assim também como os operadores tradicionais, os petistas se entregaram à sedução da sociedade acumulativa: o roubo com perspectiva de impunidade. 

A Lava Jato revelou a tragédia da vitória do capitalismo sobre a liderança dos trabalhadores. Os grandes empresários e as grandes empresas, ao fim e ao cabo, vão se safar, com os acordos de leniência e as delações premiadas, reservas que fazem parte de suas mochilas de sobrevivência. Serão nossos “robber barons” do futuro. Não assim a destroçada elite petista, à qual não resta senão acrescentar o opróbrio da traição à vergonha da confissão. 

A vítima ensanguentada dessa caçada é o eleitorado petista. Muito além dos militantes, todos aqueles que saudaram e apoiaram a trajetória de crescimento de um partido que, claramente, era o deles. Os que suportaram os preconceitos, que resistiram às pressões e difamações e que viam nas políticas sociais o cumprimento de promessas nunca realizadas. Esses estão hoje expostos à brutalidade dos reacionários e fascistas, ao escárnio, aos xingamentos e ofensas. O eleitorado petista não é criminoso, criminosos são os fascistas que os perseguem nas ruas, nos lugares públicos, sem que as autoridades responsáveis tenham a decência de garantir-lhes a inocência. 

Presidente Dilma Rousseff: é de sua responsabilidade e de seu Ministro da Justiça sair desse palácio de burocratas e meliantes suspeitos e garantir, e fazer governadores e prefeitos garantirem, por atos enérgicos, a integridade física e moral dos milhões de brasileiros inocentes que acreditaram na sinceridade dos membros do seu Partido. Os ladrões estão no seu Partido, não entre os eleitores que a elegeram.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Rússia: Decreto impõe destruição de alimentos dos EUA e da EU

Produtos atingidos por sanções serão eliminados na fronteira ou confiscados em mercados. Especialistas pedem ao governo que, em vez de distribuídos, alimentos sejam doados, inclusive a pessoas na zona de conflito na Ucrânia.

No "Irã News"
Via "Gazeta Russa"
Por Aleksêi Lossan

Processo de eliminação de carnes e seus derivados ainda não foi definido Foto:Igor Zarembo/RIA Nôvosti
Os planos das autoridades de destruir produtos confiscados na fronteira que se enquadrem nas contrassanções russas geraram diferentes reações entre os observadores russos. Enquanto alguns se mostram a favor da medida, que entrará em vigor nesta quinta-feira (6), outros sugerem que os alimentos sejam doados, inclusive a pessoas na zona de conflito na Ucrânia. 

O decreto, assinado pelo presidente russo Vladímir Pútin na quarta-feira passada (29), se refere a alimentos com origem dos Estados Unidos, da União Europeia e todos os demais países que mantêm sanções contra a Rússia devido a crise ucraniana. 

A proibição não se aplica a mercadorias importadas por cidadãos russos para uso pessoal. 

Segundo Iliá Balakirev, analista da UFS IC, a destruição de produtos alimentares é uma prática comum em muitos países desenvolvidos. “Mas, em essência, o decreto constata a incapacidade física de controlar na totalidade a importação de produtos atingidos pelas sanções”, diz. 

Chocolate e flores estarão no foco de retaliação russa 

Os dados do Serviço Federal Aduaneiro, agência que registra as importações e exportações realizadas no país, revelam que mais de 550 toneladas de produtos incluídos nas contrassanções russas foram aprendidas no primeiro semestre do ano. 

Já em mercados e lojas, as autoridades russas confiscaram 44,8 toneladas de produtos sancionados. 

“A impossibilidade de execução do embargo em sua totalidade está condicionada (…) pelos regulamentos aduaneiros no âmbito da União Eurasiática”, explica Timur Nigmatullin, analista da holding de investimentos Finam. Segundo ele, não sanções à UE por parte da Bielorrússia, e “o controle nas fronteiras entre o país e a Rússia é praticamente inexistente”. 

Como funciona 

Os fiscais do Estado buscam produtos afetados pelo embargo não apenas nas fronteiras, mas em mercados e lojas de todo o país. O decreto presidencial estipula que a eliminação de alimentos de importação proibida seja feita imediatamente após a apreensão. 

O processo de destruição deve ser registrado em foto e vídeo, além de ocorrer na presença de, pelo menos, duas testemunhas que não tenham relação com os produtos apreendidos. 

Queijos, frutas e legume serão incinerados em fornos especiais, informou o vice-ministro da Agricultura, Evguêni Gromiko, à agência Interfax. O processo de eliminação de carnes e seus derivados ainda não foi definido. 

Doações

Além de dividir a opinião de observadores, o decreto presidencial provocou diferentes reações na sociedade. 

“Os russos nutrem grande reverência em relação aos alimentos e ao trabalho daqueles que os produziram. Para muitos, a destruição de alimentos em bom estado é um sacrilégio”, diz a diretora do Centro de Política Agrícola e Alimentar da RANHiGS (da sigla em russo, Academia Russa Presidencial da Economia Nacional e da Administração Pública), Natália Chagaida. 

Volume comercial entre EUA e Rússia cai 34% em 2015 

“Em vez de destruir, seria melhor confiscar os produtos bons para consumo, punindo desse jeito os fornecedores ou importadores que violem a decisão do governo e, em seguida, doá-los a escolas, orfanatos ou lares para pessoas com deficiência”, acrescenta Chagaida. 

O deputado do partido de centro-esquerda Rússia Justa, Andrêi Krutov, propôs ao governo que os alimentos abrangidos pelo embargo sejam enviados para Donbass, região ucraniana devastada pela guerra civil. 

Em carta enviada ao ministro da Agricultura Aleksandr Tkatchev, o deputado ressaltou que as aldeias no sudeste da Ucrânia vêm sofrendo de escassez de alimentos.

EUA ao ataque: guerra na Síria sobe de intensidade

Os EUA impuseram, nesta terça-feira (4), sanções contra empresas e entidades fornecedoras de combustíveis ao governo de Damasco, e Obama autorizou ataques aéreos a posições das forças oficiais sírias.

No "Pátria Latina"
Via "Jornal Avante!"

Um comunicado do Departamento do Tesouro dos EUA informa que as medidas visam “redes internacionais” responsáveis pelo fornecimento de petróleo e gás “utilizados pelo governo de [Bashar] al-Assad para continuar a alimentar o conflito em curso na Síria”. Muitas dessas entidades – alega o documento – são empresas de fachada que o governo da Síria e os seus simpatizantes usam na tentativa de escapar às sanções dos Estados Unidos e da União Europeia”. Essa afirmações não passam de eufemismos para justificar novas agressões contra um país soberano no Oriente Médio.

No total, são abrangidas sete empresas e quatro entidades. Foram ainda identificados sete navios como pertencentes a entidades sancionadas, que “poderão ser confiscados se forem encontrados em território americano ou detidos por americanos”, segundo o Departamento do Tesouro, que sublinha a intenção de continuar a usar as suas “ferramentas financeiras para enfraquecer a rede de apoio de Assad”. Ou seja, os EUA se reservam o direito de roubar propriedades particulares de outros, em uma clara violação do direito internacional.

Estas não são no entanto as únicas armas utilizadas pelos EUA contra o legítimo governo sírio. Há cerca de um mês, Barack Obama afirmava que a “única maneira de lidar com o Estado Islâmico na Síria é formar um novo governo sem Al-Assad, que sirva a todos os sírios”, e garantia que os EUA “vão continuar a trabalhar para essa mudança de poder”. Esta semana, segundo noticiou The Wall Street Journal, o presidente norte-americano autorizou o uso de aviões norte-americanos tanto no caso de ataques de grupos terroristas como no caso de confrontos entre a oposição síria apoiada pelos EUA e as forças governamentais leais ao presidente Bashar Assad. 

A permissão oficial de bombardear as tropas governamentais sírias faz aumentar o perigo de conflito aberto entre os EUA e a Síria, sublinha o jornal, embora os Estados Unidos afirmem que o risco não se coloca “de momento” uma vez que, alega fonte militar citada pelo The Wall Street Journal, as “forças recentemente treinadas [pelos EUA] visam combater contra o grupo radical [terrrorista] Estado Islâmico, mas não contra o regime [de Assad] e, por isso, não ficarão instaladas nas áreas que estão sob controle deste último”. 

A fazer fé nas declarações do secretário da Defesa dos EUA, Ashton Carter, nas audições no Senado, até 3 de julho os EUA treinaram 60 combatentes [da oposição síria], um número inferior ao esperado, devido sobretudo ao difícil processo de seleção dos futuros soldados. Mas o processo continua.

A guerra na Síria começou em 2011, entre forças da oposição e vários grupos islâmicos radicais, incluindo o Nusra e agora o Estado Islâmico, armados pelas potências ocidentais, e o governo do presidente al-Assad.

70 ANOS DA BOMBA ATÔMICA: Arsenal nuclear existente hoje é suficiente para armar cada país com 85 bombas atômicas

Os 9 detentores das 16 mil ogivas estão modernizando seus arsenais e não há indícios de que possam abrir mão do programa nuclear num futuro próximo.

No "Ópera Mundi"
Por Vanessa Martina Silva

Em 1945, ainda no contexto da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos lançaram a bomba “Little Boy” (pequeno garoto) sobre Hiroshima, resultando na morte de cerca de 140 mil civis japoneses. Passados 70 anos, apesar dos tratados de desarmamento nuclear, a quantidade de armas deste tipo existente, mais de 16 mil, seria suficiente para armar todos os países do mundo com 85 ogivas — ou o equivalente ao arsenal nuclear de Israel, como indica o último Boletim dos Cientistas Atômicos, publicado ano passado.

Hiroshima foi o primeiro alvo de uma bomba nuclear na história. Três dias depois, a também japonesa Nagasaki teria o mesmo tratamento, alvo da ogiva norte-americana “Fat Man” (Homem Gordo). O saldo total de mortos decorrentes dos dois ataques ultrapassa os 200 mil civis japoneses. Após os bombardeios, ocorreram mais de 2.000 detonações de bombas nucleares em testes e demonstrações, nenhuma delas foi em outra guerra.

Imagem cedida pelo exército dos EUA mostra momento da explosão da bomba em Hiroshima
O uso das bombas impulsionou a corrida armamentista entre Estados Unidos e a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) durante o período conhecido como Guerra Fria (1945-1991). Não por acaso, hoje Rússia e os EUA detêm 93% das armas nucleares de todo o mundo.

A quantidade de ogivas prontas para o uso sob a posse de Washington e Moscou é aproximadamente 25 vezes superior à da França, que detém o terceiro maior arsenal. E, se permanecer no mesmo ritmo de crescimento, os dois arsenais que crescem mais rapidamente, Paquistão e Índia, poderiam levar 760 anos para atingir os dois países no topo da lista.

Gastos De acordo com a ONG Global Zero, que defende um mundo sem armas nucleares, nesta década (entre 2010 e 2020), os governos ao redor do mundo gastarão em torno de US$ 1 trilhão em armas nucleares.

A mesma organização aponta que os nove países gastaram, em 2011, aproximadamente US$ 100 bilhões de dólares em programas nucleares — sendo que somente os Estados Unidos gastaram US$ 61,3 bilhões —. O estudo considera ainda que, em uma estimativa conservadora, o custo representa 9% do total de investimentos militares a cada ano.

Em tom crítico, a ONG pontua que os gestores precisam fazer escolhas, “sobretudo em tempos de crise”, e que preferem realizar cortes em “educação, saúde, segurança pública e outros serviços essenciais”, mas não em armas nucleares.

Cúpula da bomba atômica é símbolo da devastação de Hiroshima
Não-Proliferação

São nove os países que possuem reconhecidamente armas nucleares: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França, República Popular da China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte e Israel.

Mas, somente os cinco países integrantes do TNP (Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), e que também são os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU — Estados Unidos, Rússia, França, Reino Unido e China — possuem mais de 98% das armas nucleares do mundo, como aponta o estudo citado.

Assim, apesar do aumento de armamento em países fora do TNP, a responsabilidade pela redução das armas de destruição em massa é predominantemente do chamado grupo dos cinco, diz o estudo científico. 

O trabalho, realizado por Hans M. Kristensen e Robert S. Norris, ambos da Federação de Cientistas Norte-Americanos, conclui que o TNP está diante de um dilema. "Após décadas de redução dos níveis das ogivas nucleares após a Guerra Fria, esta tendência parece ter diminuído e todos os Estados com armamento nuclear estão ocupados modernizando seus arsenais nucleares. Não há indicações de que alguma das potências esteja planejando desistir das armas nucleares em um futuro previsível. Ao contrário, todas falam da importância das armas nucleares para a segurança nacional”, aponta.

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

Redução da maioridade penal é a solução?

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre segurança pública mostra que a percepção dos entrevistados é influenciada, principalmente, pelo noticiário televisivo, cuja pauta está centralizada nos crimes violentos. A sensação da opinião pública é de que a violência aumentou muito nos últimos dois anos.

No Teoria & Debate
Por Vilma Bokany


A pesquisa Segurança Pública no Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo[1], indica que o problema da segurança pública está no topo do ranking das principais preocupações dos brasileiros (33%), superando outros serviços públicos, como a saúde (28%) e, com larga distância, a educação (12%). Muitas vezes é relatado como violência (17%) e outras como segurança (16%), termos que representam faces da mesma moeda, uma vez que a violência é compreendida como a violação da lei, crimes, o que traz implicações para a integridade física ou o patrimônio de indivíduos, e a segurança entendida como a resposta a um problema público.

Assalto, roubo ou furto são as principais menções de manifestação de violência (indicadas por 6,7% dos entrevistados), além das drogas (5%). No campo da segurança pública, destaca-se a ausência de policiamento ou rondas (por 8,8%), além da falta de policiais (2,6%).

O problema é fortemente alardeado pela mídia e são desconhecidos os esforços do poder público em sua contenção. A percepção da opinião pública é de que, nos últimos dois anos, a delinquência ou a criminalidade se agravaram muito no Brasil (82%) ou ao menos um pouco (11%), consolidando para 93% uma sensação de crescimento da violência no país. Também nas cidades onde vivem, os entrevistados sentem que a criminalidade aumentou (75%). Apenas 9,9% afirmaram que havia diminuído em suas cidades, nos últimos doze meses.

A sensação é de que tanto a segurança pública como a segurança pessoal no Brasil pioraram (para 69% e 54%, respectivamente) e somente 10% da população acredita que o serviço prestado pela polícia na cidade ou no bairro melhorou. Esse sentimento se reflete na mudança de comportamento, hábitos e atitudes da população. Entre as principais medidas de precaução adotadas estão evitar sair com dinheiro ou à noite (72% e 69%, respectivamente). Aumentar os cuidados ao entrar e sair de casa, colocar grades, trancas e cadeados e deixar de circular por determinados lugares da cidade são outros procedimentos assumidos por mais da metade da população, o que demostra o quanto o direito à cidade é violado por essa expectativa desfavorável do avanço da violência.

O assalto nas proximidades é o delito mais temido por 31% da população e o medo de uma bala perdida aparece em segundo lugar, com 20% de menções. Considerando o ranking geral, pouco menos de 10% tem como maior temor morrer assassinado, ter a residência invadida ou arrombada, sofrer agressão física ou ser vítima de tiroteio (8%, cada um).

Essa sensação de insegurança não é desprovida de razão. Procede da proximidade com ações violentas, uma vez que cerca de metade da população já presenciou alguém sendo agredido (52%) ou a polícia prendendo alguém (51%), 42% já viu alguém sendo assaltado, 27% já presenciou tiroteios, 17% viu alguém recebendo um tiro e 14% testemunhou um assassinato, além da proximidade com uso de drogas, apontada por 63%.

Percepções da violência e da segurança

A proximidade da violência é real e se traduz no reconhecimento da existência e gravidade do problema. Excluindo-se a multiplicidade, 67% dos entrevistados declararam já ter sido vítima de algum tipo de ato violento. Considerando apenas os crimes contra o patrimônio, quase metade da amostra (49%) relatou já ter sofrido algum delito dessa natureza. Nesse caso, as ocorrências que mais prevaleceram foram assalto ou roubo (33%), 21% tiveram a resistência roubada, 14% já sofreram furto de objetos e 9% foram vítimas de roubo.

Embora as ocorrências recaiam principalmente sobre crimes contra o patrimônio, pouco mais de um terço (38%) sofreu algum tipo de atentado contra a vida. Não é baixa a taxa dos que tiveram algum parente ou amigo assassinado (18%) ou mesmo dos que foram vítimas de agressão física (14%) – mesma taxa dos que já tiveram algum objeto furtado – e 12% ameaças de agressão física.

Os crimes contra a honra, embora pouco reconhecidos como tal, atingiram 28% da população, sendo o insulto e humilhação o mais comum, citado por 23%.

Provavelmente, devido à gravidade do fato, na percepção da opinião pública o assassinato é o crime mais cometido (17%), seguido por assalto, furto ou roubo (16%), latrocínio (14%) e assalto à mão armada (13%), que, independentemente da forma como é mencionado, eleva ao topo do ranking, com 43% das respostas os crimes contra o patrimônio como os mais praticados.

A mídia impressa e eletrônica tem participação ativa na construção dessa percepção de sociedade violenta. Basta observar a atenção, a cobertura e o tempo dedicados, sobretudo pela TV, aos crimes urbanos violentos em programas com apresentadores especializados em explorar, debater e criticar a criminalidade, abordando os atos criminosossss pela perspectiva da espetacularização e, muitas vezes, assumindo o papel de “julgadores”. Quase a totalidade da população brasileira se informa pela TV e a maioria (85%) acredita que a quantidade de notícias sobre violência veiculadas na mídia estáá de acordo com a realidade.

Soluções para barrar a criminalidade? 

Cabe refletir sobre de que maneira o problema da segurança pública deve ser abordado, se pela lógica da culpabilidade e punição, com medidas mais duras apoiadas pelos cidadãos, ou se a violência deve ser pensada como consequência das relações sociais marcadas pela desigualdade.

A maior parte da população é a favor do fortalecimento de medidas punitivas, por parte do governo, para a contenção da violência, como o monitoramento por braceletes ou tornozeleiras eletrônicas e o uso das Forças Armadas no combate à criminalidade (82%, ambos), além de 78% que se posicionam favoráveis à prisão perpétua e 63% à pena de morte.

No entanto, merecem destaque no futuro debate sobre segurança pública medidas como a adoção de penas alternativas para crimes menores, políticas públicas para a reinserção de presos na vida social, que têm aceitação de 79% e 78%, respectivamente, além da unificação das Polícias Civil e Militar (apoiada por 65% da população).

A privatização dos presídios, embora conte com a aprovação de pouco mais da metade da população (59%), está, junto com o direito a porte de armas (40%), entre as medidas menos populares que poderiam ser adotadas pelos governos.

Entre os fatores que podem estimular a violência, 89% concordam que os menores de idade que cometem crimes violentos devem ser julgados como adultos, 86% consideram a certeza da impunidade uma das principais razões para o aumento da criminalidade e 85% creem que penas mais rigorosas reduzem a criminalidade. Cerca de metade da população (54%) pensa que a violência dos criminosos justifica uma ação violenta da polícia e um em cada quatro entrevistados acredita que legalizar a venda e o uso da maconha diminuirá a criminalidade (24%).

Por outro lado, entre os fatores que podem desestimular a violência, também é correspondente (85%) a taxa dos que afirmam que educação e formação profissional contribuem mais para a redução da violência do que ações repressivas, 78% estão de acordo que o uso de armas de fogo pela população aumenta a violência e 59% concordam que a proibição de venda de bebidas alcoólicas após a meia-noite contribui para a redução da criminalidade. 

Apoio popular à redução da maioridade

Questionados diretamente quanto à mudança ou manutenção da atual idade penal, 91% são de opinião que deve diminuir (entre 13 e 15 anos, para 42%, e 16 ou 17, para 41%). Desde 2003, quando começamos a verificar, este é o momento em que o tema da redução da maioridade penal encontra maior apoio popular, tendo aumentado cerca de 13 pontos percentuais nos últimos dois anos (ver gráfico abaixo).


É preciso debater e mostrar o quanto essa proposta é um grande retrocesso. Essa discussão não pode ser pensada de modo isolado, deve-se pensar a quem essa medida tende a atingir em maior proporção – a população pobre, jovem e negra. Nos anos 1990, década marcada por massacres como o da Candelária, que resultou na morte de oito moradores de rua, entre eles seis menores de 18 anos, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - um avanço porque propunha medidas socioeducativas como sanção para os adolescentes em conflito com a lei, e com isso oferecia reabilitação e possibilidades de futuro a esses jovens, distanciando-se da ideia de punição. 

A maior parcela dos jovens em conflito com a lei está reclusa por fatores sociais, ou seja, roubo ou furto, agressão física e tráfico de drogas (que se organiza e recruta esses jovens para a venda no varejo). Segundo levantamento da Fundação Casa–SP realizado em março deste ano, dos 9.951 jovens atendidos pela instituição que cometeram crimes, o roubo qualificado corresponde a 44% dos casos (4.377 ocorrências), seguido pelo tráfico, com 38% (3.806). Considerando ainda roubo simples (4%), essas motivações respondem por 86% das detenções. Homicídiios não chegam a 2% – portanto, crimes violentos não são padrão. Esse pode ser um forte indicativo de que falta a presença do Estado no cuidado dos jovens e na prevenção dos crimes cometidos por eles.

Pode-se afirmar que são os jovens, sobretudo os negros e pobres, não os principais autores, mas as principais vítimas da violência. Os dados do SIM/Datasus do Ministério da Saúde mostram que, dos 56.337 mortos por homicídios no Brasil, em 2012, 54% eram jovens (30.072), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93% do sexo masculino[2]. 

No entanto, faltam dados sistematizados e confiáveis para a análise dos atos infracionais dos adolescentes. As instituições de privação de liberdade não prestam contas à sociedade sobre as medidas adotadas para reabilitar os adolescentes em conflito com a lei, tampouco do tipo de ato infracional pelo qual respondem. O fato de não julgar adolescentes como adultos não significa que a legislação atual não os puna. 

A sensação de impunidade, muito alimentada pela mídia, que tende a repercutir casos excepcionais em busca de audiência, faz com que a sociedade acene positivamente para qualquer medida que lhe pareça trazer alguma proteção, sem analisar prós e contras com o devido cuidado. O que se espera ao julgar um adolescente como um adulto? A redução da maioridade penal não reduzirá a violência. Não só não vai surtir os efeitos esperados como deve produzir efeitos contrários, ao conduzir adolescentes e jovens, com chances de reabilitação, ao aprofundamento no universo do crime. 

Não há evidências empíricas ou fatos que corroborem a ideia de que o endurecimento penal é eficiente como política de redução do crime. A lei contra crimes hediondos é prova disso: não diminuiu a criminalidade, apenas colaborou para a superlotação do sistema prisional. 

Entre os países da América do Sul, apenas a Guiana e o Suriname permitem que jovens entre 16 e 18 anos sejam julgados da mesma maneira que os adultos. Outro exemplo são os EUA, em que apenas quatro estados têm maioridade inferior a 17 anos e, mesmo assim, só em casos excepcionais, como homicídios, jovens são julgados como adultos. A Alemanha e a Espanha voltaram atrás na decisão de penalizar adolescentes com idade inferior a 18 anos. As propostas de redução da maioridade penal que tramitam no Congresso vão, mais uma vez, na contramão do que praticam países mais avançados na defesa dos direitos dos cidadãos. 

A demanda do cidadão por segurança pública é real e legítima, mas a redução da maioridade penal, sem o necessário aprofundamento da discussão e reflexão de seus resultados sobre uma sociedade já bastante penalizada pela violência e ausência de justiça, mais parece uma resposta para tratar o efeito, e não a causa real da violência. Mais do que atender a opinião pública em relação a ações repressivas e medidas punitivas, o Congresso deveria considerar medidas igualmente bem aceitas pela população, como a educação e formação profissional para a redução da violência, medidas alternativas para crimes menores, políticas públicas para a reinserção de presos na vida social, além de propostas de reorganização das forças policiais de modo unificado, como formas de minimizar os problemas sociais do país. 

Vilma Bokany é socióloga, analista de pesquisas do Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.

MST prossegue realizando atos pela reforma agrária e contra ajuste fiscal

Após ocupar prédios do Ministério da Fazenda, movimento promove novos protestos exigindo avanços na política fundiária brasileira.

No "Brasil de Fato"
Da Redação


Após realizar a ocupação de diversas instalações do Ministério da Fazenda em todo o país, o MST segue promovendo manifestações em prol de avanços na política de reforma agrária e contra o ajuste fiscal promovido pelo governo federal. Na tarde desta terça-feira (4), cerca de 7 mil trabalhadores rurais marcharam pelas ruas de Rio Bonito do Iguaçu (PR) na luta contra a empresa de celulose Araupel.

Há mais de um ano, cerca de 3 mil famílias reivindicam a desapropriação da fazenda Rio das Cobras para fins de reforma agrária. A Araupel alega ser dona da área, porém diversos documentos do Incra e do poder judiciário indicam que a área foi grilada.

Os Sem Terra denunciam a "aliança entre a empresa e os meios de comunicação local, que desde o início procuram deslegitimar a luta das famílias".

Em Pernambuco, cerca de 300 famílias ocuparam o Engenho Alegrete na manhã de ontem, no município de Água Preta. O Engenho é de propriedade da Usina Pumati, área que está sendo reivindicada pelos Sem Terra para destinação da reforma agrária.


Jornada 

Desde segunda (3), milhares de Sem Terra realizam mobilizações em todo o país na Jornada Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Diversos prédios do Ministério da Fazenda amanheceram ocupados por milhares de Sem Terra em todo o país. 

O MST denuncia "a paralisação da reforma agrária no país, agravada ainda mais com o ajuste fiscal do governo federal, que cortou quase 50% dos recursos da reforma agrária - de R$ 3,5 bilhões sobraram apenas R$ 1,8 bilhão".

Dez estados mais o Distrito Federal tiveram suas sedes do Ministério ocupadas. Além das instalações da pasta, diversas outras mobilizações, como ocupações de terras, trancamento de rodovias e ferrovias e marchas pelas cidades estão ocorrendo pelo país. Ao todo, 18 estados estão mobilizados, além da capital federal.

CONSPIRAÇÕES - NINGUÉM ESTÁ A SALVO (Uma série de raciocínios simples)

"Qual é seu grau de concordância com as seguintes teorias, numa escala de 1 = ‘Nulo’ a 7 = ‘Total’? 1) A aids foi criada intencionalmente pelo homem, mais especificamente pelo governo norte-americano. 2) A missão Apolo nunca chegou à Lua e as imagens divulgadas para o grande público não passaram de um truque da CIA. 3) O assassinato de John F. Kennedy não foi obra de um atirador solitário, mas o desfecho de uma vasta conspiração. 4) A princesa Diana não morreu num acidente de automóvel, foi assassinada etc.”

No "Le Monde Diplomatique Brasil"
Por Marina Maestrutti

Ao contrário do que afirmam seus detratores, os adeptos de teorias da conspiração não são indivíduos irracionais: sua crença baseia-se em raciocínios relativamente simples, mas levados um pouco longe demais...

A exemplo de Pascal Egger e Adrian Bangerter, autores desse texto,[1] a psicologia social tenta há muitos anos analisar os mecanismos de aquiescência às teorias da conspiração. Para ela, tais teorias são construções coletivas que representam uma das formas de expressão do “pensamento social”.[2] Essa disciplina se interessa principalmente pelas propensões que, em nossas maneiras habituais de pensar, favorecem a difusão e a persistência do conspiracionismo.

Encontramos, de início, o “viés de conjunção”, isto é, a tendência amplamente partilhada a superestimar a probabilidade de que dois eventos distintos estejam na verdade correlacionados. Daniel Kahneman e Amos Tversky verificaram isso graças a uma experiência em 1983.[3] Os dois pesquisadores apresentaram aos participantes um texto que traçava o retrato de Linda, 31 anos, formada em Filosofia, esquerdista e militante nos movimentos antirracistas. À pergunta “Você acha mais provável que Linda seja funcionária de banco (resposta A)? Ou funcionária de banco e feminista (resposta B)?”, quase 90% dos participantes responderam B. Fundamentaram seu julgamento antes nos dados do retrato fornecido que na probabilidade intrínseca de estarem diante de um caso raro – pois é mais comum alguém ser funcionário de banco que funcionário de banco e feminista. Estereótipos e considerações sociais sugeridos pelo retrato de Linda levaram os sujeitos a um erro de conjunção.

Essa tendência atua de modo direto nas teorias da conspiração. Olivier Klein e Nicolas van der Linden demonstraram-no a propósito do 11 de Setembro: diante de duas informações diferentes – a descoberta de aço fundido nos destroços das torres gêmeas e a falta de reação do governo Bush às informações de que indivíduos próximos à Al-Qaeda estavam treinando em escolas de pilotagem –, a maioria dos entrevistados se mostrou propensa a julgar a probabilidade conjunta desses dois elementos mais alta que sua probabilidade isolada.[4]

O “viés de intencionalidade”, que intervém na maneira como avaliamos os fatores causais, também labora em favor das teorias da conspiração. John McClure, Denis J. Hilton e Robbie M. Sutton estudaram esse ponto numa experiência recente. Apresentaram aos participantes vários relatos de um incêndio, variando suas causas: ele fora ora intencional (um ato criminoso), ora fortuito (o sol, o calor). Indagados sobre qual relato lhes parecia mais verossímil, os sujeitos se pronunciaram majoritariamente em favor do incêndio criminoso.[5] Essa propensão explica em parte por que algumas pessoas preferem as explicações fornecidas por uma teoria da conspiração, em particular quando a versão oficial carece de intencionalidade (a morte de Diana Spencer, o aparecimento da aids) ou sugere uma intencionalidade considerada duvidosa (o 11 de Setembro, os atentados ao periódico Charlie Hebdo).

Vem em seguida o “viés de simples exposição”. Como mostram diversos trabalhos, o mero fato de sermos apresentados a teses que sustentam uma teoria fomenta inconscientemente nossa adesão a ela. Os pesquisadores Karen Douglas e Robbie Sutton se propuseram a mensurar as condições de adesão aos relatos discordantes sobre a morte da princesa Diana. O grupo de alunos ao qual eles forneceram informações sustentando a hipótese de assassinato manifestou adesão mais alta que o grupo privado de informações.[6] 

A fim de precisar os contornos desse viés, Daniel T. Gilbert e sua equipe analisaram a maneira como nosso julgamento é influenciado pelas condições nas quais recebemos informações e pelo tipo de informação conhecida.[7] No contexto dessa experiência, dois grupos de participantes receberam uma lista de dados sobre um suspeito cuja culpabilidade eles procurariam estabelecer; foi-lhes dito que a lista continha várias informações “falsas”, facilmente identificáveis por um sinal vermelho e que não deveriam ser levadas em conta. Para o primeiro grupo, as informações falsas constituíam circunstâncias atenuantes; para o segundo, circunstâncias agravantes. Alguns sujeitos deveriam também ler a enumeração enquanto estivessem ocupados com tarefas cognitivas suplementares (por exemplo, associar números aos elementos da lista); os outros poderiam se concentrar na leitura. A seguir, todos se pronunciariam sobre a culpabilidade do suspeito e lhe atribuiriam uma pena. Resultado: muito poucos não levaram em conta as informações falsas; quando sua atenção foi desviada, consideraram verdadeiras todas as informações; os que receberam a lista com circunstâncias agravantes (que de antemão sabiam ser falsas) tenderam a atribuir penas mais pesadas. 

Enfim, o “viés de confirmação” induz os indivíduos a buscar informações que corroborem suas crenças preexistentes, não as que as invalidem. Também esse viés contribui para a persistência das teorias da conspiração. Em 1960, Peter C. Wason realizou uma experiência pioneira sobre esse tema. Apresentou aos participantes uma sequência de três números (por exemplo, 2, 4 e 8) composta segundo uma regra particular e pediu-lhes que criassem novas sequências de acordo com o mesmo modelo, submetendo-as depois ao experimentador para saber que regra haviam adotado. Caso houvesse conformidade na sequência, os participantes deveriam esclarecer a regra escolhida. A de Wason era muito simples – seus três números obedeciam a “qualquer ordem crescente” –, mas quase todas as pessoas interrogadas enunciaram uma regra mais complexa: múltiplos de dois, números pares, progressão geométrica... Além disso, as sequências que submeteram ao experimentador atestavam quase exclusivamente exemplos “positivos”, que confirmavam suas suposições, embora o melhor meio de verificar a hipótese teria sido propor uma sequência que não correspondesse a elas. Poucos participantes se arriscaram a eventualidades que supunham não conformes à regra. O viés de confirmação esclarece que as teorias da conspiração tendem a se autovalidar.

A influência desses quatro vieses cognitivos é o mais das vezes inconsciente, tornando difícil a imunização contra o conspiracionismo. Acreditar ou aceitar esse tipo de explicação não resulta de uma racionalidade patológica, mas de uma série de raciocínios relativamente simples, feitos à base dos dados disponíveis e do contexto social.

*Marina Maestrutti é professora de Sociologia da Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne.

[1] Pascal Wagner-Egger e Adrian Bangerter, “La vérité est ailleurs: corrélats de l’adhésion aux théories du complot” [A verdade é outra: correlatos da adesão às teorias da conspiração], Revue Internationale de Psychologie Sociale, Grenoble, abr. 2007. 

[2] Em 1973, Michel-Louis Rouquette introduziu o conceito de “pensamento social” para designar um “pensamento da gestão cotidiana”, ou seja, um pensamento daquilo que interessa diretamente às pessoas, daquilo que as preocupa, daquilo que importa a elas (a psicologia social chama isso de “implicação”). 

[3] Daniel Kahneman e Amos Tversky, “Probability, Representativeness, and the Conjunction Fallacy” [Probabilidade, representatividade e a falácia da conjunção], Psychological Review, Washington, n.90, 1983. 

[4] Olivier Klein e Nicola van der Linden, “Lorsque la cognition sociale devient paranoïde ou les aléas du scepticisme face aux théories du complot” [Quando a cognição social se torna paranoica ou os acasos do ceticismo diante das teorias da conspiração]. In: Emmanuelle Danblon e Loïc Nicolas (orgs.), Les Rhétoriques de la conspiration [As retóricas da conspiração], CNRS Éditions, Paris, 2010. 

[5] John McClure, Denis J. Hilton e Robbie M. Sutton, “Judgements of Voluntary and Physical Causes in Causal Chains: Probabilistic and Social Functionalist Criteria for Attributions” [Julgamentos de causas voluntárias e físicas nas cadeias causais: critérios probabilísticos e funcionalistas sociais para atribuições], European Journal of Social Psychology, n.37, Chichester (Reino Unido), 2007. 

[6] Karen M. Douglas e Robbie M. Sutton, “The Hidden Impact of Conspiracy Theories: Perceived and Actual Influence of Theories Surrounding the Death of Princess Diana” [O impacto oculto das teorias da conspiração: influência percebida e real das teorias em torno da morte da princesa Diana], The Journal of Social Psychology, n.148, Londres, 2008. 

[7] Daniel T. Gilbert, Romin W. Tafarodi e Patrick S. Malone, “You Can’t Not Believe Everything You Read” [Você não pode não acreditar em tudo que lê], Journal of Personality and Social Psychology, n.65, Washington, DC, 1993.